Por Aline Bronzati, correspondente
Diferente dos ciclos a reboque da covid-19, banqueiros centrais das principais economias do mundo mostraram no Simpósio de Jackson Hole que a política monetária global seguirá em direções opostas enquanto tentam vencer a última milha da luta contra a inflação, preocupados com os estragos no mercado de trabalho e riscos de recessão. De um lado, os Estados Unidos estão mais próximos de começar a cortar os juros, caminho que a Europa pode retomar também no encontro de setembro. Do outro, a Inglaterra defende que os seus cinturões financeiros permaneçam apertados e o Brasil pode ser obrigado a voltar a elevar suas taxas em meio a desafios fiscais e a necessidade de ancorar as expectativas da inflação.
“Chegou a hora de a política se ajustar. A direção da viagem é clara, e o momento e o ritmo dos cortes nas taxas dependerão dos dados recebidos, da perspectiva em evolução e do balanço de riscos”, disse o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome Powell, durante discurso de abertura do simpósio, desencadeando um apetite global por ativos de riscos, com os mercados reafirmando as suas expectativas de um primeiro corte de juros nos EUA na reunião de setembro.
Nos últimos dias, a pacata e pequena vila de Jackson Hole, na região montanhosa de Wyoming, nos EUA, voltou a ser palco global sobre o futuro das taxas nas principais economias do mundo. Em sua 47ª edição, o evento, promovido pelo Fed de Kansas City, trouxe como tema central um grande debate sobre a eficácia e a transmissão da política monetária.
O agressivo aumento dos juros na esteira da covid-19 colocou o mundo sob o temor de recessão, que, ao menos por ora, não se confirmou, com as economias mantendo as suas fortalezas, a despeito da queda da inflação. Diante disso, economistas e acadêmicos buscaram saber se algo mudou na efetividade da política monetária e como isso poderia ter impacto nas ações à frente.
Para o diretor de macroeconomia do ASA, Fábio Kanczuk, a conclusão do encontro é de que os canais e a intensidade das ações dos bancos centrais na condução dos juros permanecem os mesmos. “Os banqueiros centrais saem da conferência falando, puxa, acho que eu vou continuar fazendo exatamente o que eu fazia antes, não vou mudar a forma de pensar”, diz ele, ao Broadcast, lembrando que outros simpósios de Jackson Hole foram diferentes.
Pesquisa publicada no encontrou ressaltou a importância da credibilidade dos banqueiros centrais, a partir de um estudo de caso do Fed, para a transmissão e eficácia da política monetária. Os economistas Michael D. Bauer, Carolin E. Pflueger e Adi Sunderam descobriram que o agressivo aumento de taxas nos EUA foi necessário para mudar a visão do mercado após a leitura de que a inflação seria transitória no país.
“A eficácia de qualquer resposta de política monetária depende crucialmente da compreensão do público sobre a estrutura e a estratégia do banco central”, afirmam os autores, no documento.
Nesse sentido, o presidente do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), Andrew Bailey, celebrou custos menores para derrubar a inflação no cenário atual, mas indicou uma política ‘hawkish’ no país, ou seja, mais inclinado a manter os juros elevados. “A definição da política precisará seguir restritiva por tempo suficiente até que os riscos para a inflação permanecer sustentável em torno da meta de 2% no médio prazo tenham se dissipado ainda mais”, disse, ao discursar, em Jackson Hole.
“Ele [Bailey] foi mais cauteloso do que o presidente Powell em relação às perspectivas para a política, já que a análise de múltiplos cenários do BoE sugere a necessidade de manter uma postura monetária restritiva por mais tempo”, avalia o conselheiro econômico da Allianz, Mohamed El-Erian.
Transmissão fiscal
Por sua vez, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, sinalizou preocupações com o impacto da situação fiscal dos governos na política monetária. Na sua visão, a volatilidade recente dos mercados pode ser um indício de que os investidores precificam menos espaço para intervenções fiscais e monetárias no futuro.
“Precisamos abordar a dívida considerando a dinâmica dos mercados a partir de agora e, infelizmente, será muito difícil falar sobre a transmissão (da política monetária) sem falar um pouco mais sobre a fiscal”, disse Campos Neto, que passa o bastão a seu sucessor no fim de dezembro próximo.
Sem mencionar o Brasil ou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o culpa constantemente pelos elevados juros no País, o presidente do BC chamou a atenção para o peso da dívida dos países emergentes. Preocupações fiscais e a necessidade de ancorar as expectativas para a inflação têm levado os economistas a prever aumento da Selic enquanto dirigentes da autoridade têm sinalizado que “não hesitarão” em voltar a elevar as taxas, caso seja necessário.
No mesmo painel de Campos Neto, o economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE), Philip Lane, indicou que a política monetária na região tem sido eficaz em retornar a inflação à meta, de 2% ao ano, que a manutenção de uma postura restritiva ainda é apropriada, conforme apresentação divulgada pela organização do evento. Apesar disso, dirigentes da autoridade se mostraram inclinados a apoiar um novo corte de juros na reunião de setembro, após ter mantido as taxas em seu último encontro.
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